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terça-feira, 5 de abril de 2011

Cheiro de peixe podre


O ônibus é um veículo patético: carregando simplórias ruínas que se dizem necessidades e desejos... Um dia desses, ele estava lá: com seus vagos olhos nipônicos, seu cabelo militar e toda sua timidez bruta observando a feira suja. Chovia forte e as janelas estavam fechadas: é estranho a chuva cai para satisfazer os anseios demasiados que põem o calor como uma praga, os passageiros irritados fecham as janelas! Não aceitando a graça do clima! 
Que se dane: talvez ele pensasse nisso.
Tentou desenhar um ideograma no vidro da janela. Mas não via tanta necessidade. O pai o obrigara a se alistar no exército da pátria que acolhera seus avós, mas nem era preciso obrigá-lo, sua vontade era fraca de mais para resistir a um pedido, ainda que fosse ordinário.
O motorista deveria está fazendo hora ou cansado demais. Quem sabe irritado? A viagem seria longa... Já estava longa! Sim... Colocar um ideograma. Nada demais.
Alguém senta-se ao seu lado e ele percebe que procura seus olhos. Resiste, irritado, olhando a janela e os primeiros traços do símbolo que pretende inscrever.
A insistência da companhia que perturba. A irritação cresce. O ideograma sai tremido. A raiva surge.
As mãos do rival acertam o vidro da janela! Não há sangue. Ele esquivara-se rápido o suficiente para evitá-lo! Agora precisava sair daquela posição: juntou os pés e pegou um impulso que o colocou no teto do ônibus! Os passageiros conversavam e os ignoravam. O rival era escuro e magro - um pouco mais alto. Ele golpeou o adversário, que ria de sua tentativas e atacava impiedosamente. Estava com um dos olhos machucado e o orgulho começava a sangrar.
Percorriam o ônibus em meio ao embate. A feira livre era longa e o engarrafamento transformava a viagem em um martírio infindável diante do odor dos mercados ambulantes.
Eles passaram pela roleta duas vezes e o motorista chegou a olhá-los rapidamente antes de tentar a curva.
Maldita curva.
Estavam próximos a porta, o adversário acertou-lhe uma pernada forte e dolorida no rosto - o impacto o arremessou! Sangrava um pouco. O orgulho estava despedaçado... Parte do vidro caiu sobre seu corpo que jazia de bruços... O ideograma em miúdos pedaços. Ficou desacordado por tempo suficiente para ser infectado pela feira... Chegou em casa. Fedia a peixe podre, comentou o pai.

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