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sexta-feira, 29 de março de 2019

A véspera de uma jornada... OU como iniciar o desenvolvimento de uma campanha de RPG?

Iniciar uma campanha requer um trabalho muitas vezes subestimado pelos jogadores. No entanto, nem sempre, alguns verificam pelo trabalho que muitas vezes têm em criar seu próprio personagem que fazer MUITOS personagens pode ser árduo. Sim, de fato é - mas pode ser bastante recompensador!
Existem dois elementos essenciais para quem quer criar uma campanha a partir do nada, um é estar muito inspirado, e para isso é importante ter uma base em outra obra, tais quais livros, quadrinhos, filmes e séries; é importante que os jogadores, pelo menos a maioria esteja a par desses suportes também. A outra parte é ter tempo para elaborar Npcs e tramas. Primeiro, o pretenso narrador/mestre precisa escrever como a história começará e como provavelmente terminará; depois, como ela pode mudar o começo, quais os caminhos de seu meio, os mais prováveis, e por último, como podem ser seus fins... Há possibilidade de continuar?
É impossível prever as jogadas dos jogadores, mas também não é difícil perceber que eles podem não estar seguindo exatamente o que fora pensado, mas com certeza estão traçando um caminho bem próximo...
Existem outras técnicas importantes, como a criação de aliados valorosos, possíveis amantes, desenvolvimento de rivais, surgimento de vilões; que tipo de vilão o mestre precisa? Um que surge do nada, um que esteve sempre próximo ao grupo, um que era subestimado e se fortaleceu, um poderoso e cruel que mantém o grupo vivo apenas por sadismo... Qual? 
Deixemos para textos vindouros as possíveis respostas...

sábado, 2 de março de 2019

As luzes de um dia bem escuro

Sete anos se passaram, mas ela ainda lembrava. Não havia motivos para sorrir naquela semana. Havia culto, e isso era tudo. Seria a primeira vez que iria dirigir a reunião semanal que frequentava desde muito jovem. Berenice estava contente, mas extremamente concentrada. Essa sensação foi alguns segundos atrás. A dor vinha de dentro de um dos ombros. Lembrou de Justin, e de como estava decidida a terminar com aquele babaca. Mais segundos atrás. Outra agonia vinha do tórax e a paralisava, além de fazer escorrer muito sangue. Sabia que a mãe estava errada em criticar sua escolha de emprego, e deveria agir como o pai que a apoiava. Os ouvidos começavam a voltar ao normal; sirenes, gritos. Cheiro de gasolina. Alguns segundos atrás, já imaginava como seria a primeira vez presidindo o culto. Calor, chamas; lembrou.
Se distraíra com tudo acontecendo tão rápido em tão poucos dias. Avançou um sinal, um ônibus a acertou na lateral. Estilhaços e ferro retorcido atravessaram seu ombro direito e sua barriga. A coluna fora partida praticamente, o banco pendia para trás, contudo ela estava suspensa, um pedaço de ferro a erguia pelo tórax e o outro a atravessava de um ombro a outro internamente. A dor a fez perder a consciência devagar, logo que o carro começou a pegar fogo. Ela não sentiu nada quando as chamas tomaram sua cabeça, queimando o coro cabeludo e praticamente todo seu rosto. Ela não sentiu os bombeiros rompendo os ferros, ou os maqueiros colocando-a na ambulância, e muito menos o desfibrilador a trazendo de volta à vida. Quando retomou a consciência estava deitada numa cama de hospital, mas não via nada, não sentia odores, e ouvia muito pouco e de forma confusa. Estava viva, porém, morta.
Então, ela chegou.
Era uma enfermeira, se pudesse sentir odores, Berenice saberia que ela usava um perfume de aroma refinado, uma maquiagem leve, contudo, cara e bem feita, o cabelo impecável, todavia, discreto, num corte na altura do pescoço. Ela olhou com muita estima, e ansiedade para Berenice. Sorriu e sussurrou: "Eu vou ajudá-la a tirar a própria vida. Mas também posso lhe ajudar a voltar à vida. Serão horas de cirurgia." Berenice não podia falar. A enfermeira continuou. "Eu vou abrir a janela, colocar a pequena escada na direção dela, e conduzi-la com minha mão esquerda até lá. Quando estiver pronta você pula. A resposta vou descobrir dependendo para onde pulou. Para frente, na direção do asfalto lá embaixo, ou para o lado, na minha direção, e te abraçarei." Berenice entendeu. Ela estava negociando sua alma, ela não sabe como o porquê de ter compreendido aquilo naquela circunstância. Mas enfermeira era um demônio com certeza, uma entidade advinda dos rebeldes que lutaram contra Deus e seus soldados. Tiranos.
As lágrimas escorreram de seus olhos machucados. Estava feliz. Suas preces foram atendidas. Poderia não conduzir o culto daquela semana, mas com certeza iria liderar a seita por muitos anos. O Ministério da Verdade Verdadeira teria uma nova líder. Sua mãe teria que engolir seu orgulho, e Justin iria se arrepender de tê-la deixado. Bastava escolher a direção certa a pular. E o fez.
Do alto, a enfermeira olhava para os pedestres que cercavam o corpo que ainda se contorcia.

Respingos inconstantes do mais puro sangue

O menino Tzunakk era muito diferente de todos os outros, calado, não gostava de interagir, era desengonçado com as habilidades físicas, mas obediente; era extremamente apto para testes de cognição e raciocínio. Tão pequeno o meio-orc, mas já tinha seus segredos. Sua irmã, uma orc pura, não fora resultado de uma violação sobre uma escrava élfica, contudo, ela era fruto de um amor por parte de seu pai por uma jovem nobre guerreira que tinha sido enviada pelos pais para se juntar as tropas de Coshnar, pai de Tzunakk. O pequeno meio-orc sufocou a irmãzinha numa noite em que seu pai e madrasta dormiam profundamente depois de muita bebida, fumo de dragão e orgia com escravas. Ele usou um travesseiro, não fez muito esforço, apesar das pequenas garras da irmã terem ferido um dos dedos do fratricida. 
Na adolescência, ele não pensava em abusos e trunfos com seu órgão genital, tal qual alguns de seus colegas de academia militar, ou em conseguir mais músculos e armas. Ele já tinha um segundo segredo para guardar: havia torturado um pequeno orc doente que mendigava nas ruas. O atraiu com promessa de uma refeição, e o envenenou de maneira que não pudesse gritar. Levou para uma área onde haviam sedimentado as bases para a construção de uma torre de vigia, os soldados estavam empenhados em algum conflito fora dos muros da cidade; não havia ninguém nos alojamentos dos construtores. Lá, ele usou pequenas facas e muitos pregos, de variados tamanhos, para acumular muita dor no corpo do mendigo, até que parasse de respirar.
Então, cresceu. Não havia feito sexo ainda, ou consumido álcool. Já morava longe de seu pai, mesmo que na mesma cidade. Azy-Ghurk é dividida em alguns distritos, ele escolhera um que permitisse estar mais perto da saída da cidade. Criava duas lobas, Zatir e Nanir, as alimentava com escravos doentes e crianças indesejadas de escravos e mendigos. Lia bastante, textos e livros de várias partes do Império Dragão, das ilhas élficas, da sábia ilha de Growtya e sua universidade, das profetisas de Jhaavee. Realmente, gastava muitas arkhehamas com aqueles tomos, todavia, para ele valiam cada dispêndio. Foi então, que ele ouvira uma das lobas se engasgar, enquanto lia sobre as Ilhas Doshermanas e suas divindades incompreensíveis. As lobas comeram com muita velocidade uma menina humana que perdera a consciência ao bater a cabeça, o pai vendia seu corpo para prazeres de orcs, meio-orcs e humanos que queriam sentir o prazer de penetrar uma mulher que parecia estar morta. Tzunakk a comprou, na tentativa de acordá-la com tortura; não surtiu efeito, e ele a deu para suas lobas. Então, ele correu para salvar uma das coisas vivas que lhe valiam a pena o custo. Tropeçou na pequena escadaria que dava para sua biblioteca particular, com certeza a maior da cidade orc.
As luzes do dia se apagaram.
O chão era pegajoso, tinha cheiro de sangue, e parecia pulsar. O chão parecia pulsar? Ele não via nada, a mais pura escuridão. Por mais que conhecesse a fé no Vingador, Numai, o mestiço não rezava para nenhuma divindade, nem sequer lhes dava algum crédito. Entretanto, lembrando da breve dor da queda, e das sensações que o cercavam agora, ele cogitou estar na Prisão dos Desesperados, para onde vão aqueles que foram mortos por devotos de Numai, ou morreram por acidentes. Seu coração acelerou, o suor tomou-lhe a testa, a boca escancarou-se. Ele começou a ouvir vozes que eram gemidos lamurientos e gritos abafados, pediam perdão, imploravam por misericórdia, era como se pudesse ver uma infinidade de jaulas, nelas diversos desafortunados se acotovelavam e estendiam os braços entre barras, fezes e urina não eram odores páreos para o cheiro forte de sangue, era como se cada cela estivesse sobre um campo vermelho róseo gigantesco que pulsava. Como se fossem espinhos, ou pregos fincados sobre um cérebro exposto. Era aterrador. Mas era fascinante.
Estava feliz.
Uma figura surgiu na sua frente. Era bem alta, lâminas finas e afiadas saíam de seus longos brincos e apertavam-lhe o pescoço, se ela mexesse de maneira errada com certeza se mataria, a pele era amarelada, num tom mais intenso que os dos humanos shen, a cabeça estava raspada, os traços eram como de uma shen, um manto negro envolvia-lhe o busto e o quadril, as partes expostas - pernas, parte do tórax, pescoço e ombros - estavam cobertas de pequenos nódulos avermelhados, certamente deixados por lâminas pontiagudas como as dos brincos que flagelavam-lhe o pescoço. O resto do manto se estendia pelo chão.
Apesar de seus pequenos olhos, o olhar era profundo. Tzunakk olhou de volta, quase que apaixonado. Mas não. Era fascínio legítimo.
O pacto foi selado.

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