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sexta-feira, 14 de junho de 2013

As flores e a trilha



O espelho - o palco de Serena Latembar. Alta, magra, pele bem clara, cabelos lisos e escuros, com mechas azuis, maquiagem delicada, vestido exuberante, a cor dos olhos variava com as ocasiões - o luar poderia esperar beleza; os amigos podiam alcunhá-la de "Chandra". A academia - o refúgio de Madona Nicolina, "Dana" para os colegas. Estatura média, nem acima e nem abaixo do peso, quase atleta, se não fosse pelo cigarro e a cachaça ocasional, bíceps avantajados, cabelos no ombro, ondulados - a noite: pra descansar e rir. Ônibus e pernada, ambas ao rumo.
Alguns incautos chamavam Chandra de Andrei. Procurando torturá-la; assim era fácil. Ninguém lhe dava esse nome, só as chamadas matinais do colégio. Dana não tinha esse tipo de problema, na praça do Marex todos sabiam que ela gostava de brigar. Elas se conheciam de vista somente. As amigas muitas juntavam-se e lá bebiam, fumavam, riam bastante - viver entre os conservadores e as normas morais; davam boas risadas!
Há anos, já haviam feito suas juras: sabiam das dores vindouras. Das brigas que teriam que tomar parte. E que com sorte teriam os amigos ao lado. Com mais sorte, talvez, a família também...
Serena era bonita. Bem bonita, enganava com facilidade, não somente por sua feminilidade acentuada, mas por sua beleza elegante, ainda que a extravagância, às vezes, lhe tirasse um tanto as suspeitas e dessem as certezas. Ela não se importava, as rivais sim. Era bonita demais, ainda deve ser. Dana tinha uma aparência hostil, uma ferocidade atraente. Homens se sentiam intimidados e atraídos por ela, ocasionalmente mulheres também. Aqueles olhos cor-de-mel, a pele marrom, os lábios grossos, o punho cerrado.
Havia algo de muito caótico em tudo aquilo. Aquele temor de pronunciar precauções constrangedoras, apenas entre as duas. A certeza de que uma atração muda se originara - o quão estranho não poderia ser para as amigas. Será que ninguém poderia ver aquele filme? Todos decidiram não ir, ou era verdade? Só as duas. Madona pediu para Serena ser discreta - e depois se arrependeu. Serena riu e fingiu irritação. Que horas? Onde?
E assim, nada parecida diferente. Ainda que pareça que há luzes em direção de nós. Aquele temor de se estar ridículo, e a falta de ensaio. Antes de se chegar aos vinte, nada parece maduro. Recuavam constantemente uma da outra. Aquela questão afundava-se em cada cabeça: será? Alguns olhos terceiros sim. Mas nada demais: gays e lésbicas andam juntos, isso é normal. E pouco se importa as cabeças que se incomodavam, já eram poucas...
A escuridão e o frio não contribuíram para o caminho. O filme era bom, nada, quase, foi falado. Saíram. A parada na frente do banco do estado. O engarrafamento da BR. Nicolina era determinada, mas estava com medo - do quê? Latembar era mais tímida, entretanto, uma vontade forte, daquelas irresistíveis, tomou-lhe as unhas delicadamente pintadas - e os cabelos de Dana já estavam entre os dedos de Chandra, e o braço da outra lhe envolvia a cintura... Um beijo prolongado por carícias nas costas, nos braços, nos rostos... E quem passava, nem olhava... Um beijo. E elas - só elas.

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