Adaptação de sistemas dizem ser mais complicada que a adaptação de cenários com temas afins... Será mesmo?
Há muito tempo atrás, no final da década de 90, o Mundo das Trevas já se consolidava como um dos cenários mais queridos do Brasil, bem como seu sistema Storyteller, que ganhava continuamente adaptações para diversas ambientações e cenários!
Mas haviam elementos que sempre foram bem polêmicos no Mundo das Trevas, e era muito raro encontrar menções a estes: anjos e demônios. Uma das primeiras menções a anjos surgira em um suplemento para Mago: A Ascensão, The Book of Worlds, e falava sobre a Umbra, do ponto de vista dos magos. Demônios foram citados em Stoyteller's Handbook to Sabbath, e depois, inclusive, no Guia do Sabá da 3ª edição também.
Até que surgiu Demônio: A Queda. E a polêmica parou. Certo?
Não. Os jogadores brasileiros já estavam acostumados a utilizar as adaptações de revistas e sites, algumas bem robustas e bem feitas, outras mais improvisadas. Quase todas adaptações não oficiais eram baseadas em um cenário bem conhecido do público nacional: o Mundo de Trevas... Sim, DE Trevas, para o Sistema Daemon (que já fora um dos sistemas mais jogados no Brasil!). Neste cenários, anjos, demônios e magos eram os principais! Poderíamos encontrar vampiros e outras criaturas, mas o foco estava realmente nos celestiais e nos infernais.
Não era fácil adaptar, Daemon utiliza um sistema de Atributos que vai de 3 a 18, inicial, e de Perícias em porcentagem (01% a 60% para personagens iniciais)! Os poderes dos anjos e demônios eram mais próximos dos sistema Storyteller, indo de 1 a 5, ou mais, níveis... Contudo, os cenários eram, e são, bem distintos. No Mundo das Trevas a manipulação da realidade por parte dos seres sobrenaturais e discreta, apesar de importante. Os mortais ainda são uma força a ser temida. No Mundo DE Trevas, a história é outra: anjos, demônios, magos e outros tipos são os responsáveis TOTAIS nas mudanças da história humana... Outra ideia também muito diferenciadora: em Trevas, os humanos poderiam se tornar magos e dominar as Formas e Caminhos da magia, mas isso não era grande coisa, visto que anjos e demônios também podiam aprender, alguns eram até melhores. No Mundo das Trevas, as coisas equilibram um pouco, visto que a Magia Verdadeira, das Esferas, só pode ser desenvolvida por magos, e mesmo os demônios, anjos caídos de Demônio: A Queda, não dominam tal poder. Outro ponto: no Mundo das Trevas, os demônios são anjos caídos que foram criados por "Deus" e se revoltaram contra o Criador, ao apoiar Lúcifer, e por isso caíram, lá no início dos tempos. No Mundo de Trevas anjos e demônios podem, inclusive, ter sido pessoas normais, que simplesmente dado o que fizeram em vida, ganharam nova essência onde quer que tenham ido parar...
Tendo todas essas complicações, a opção mais simples era simplesmente deixar tudo pra lá. E jogar cada um o seu sistema e cenário. Pronto. Simples.
Não.
Nada é tão simples assim. Não se pode simplesmente ignorar tramas e cenários construídos com base em informações diversas, que fogem das oficiais, e algumas vezes são inclusive mais ricas. Apesar de Demônio: A Queda ser estupendo, muito ali não apresenta o que muitos jogadores esperavam. Onde estão os anjos? E a Guerra Celestial? Aqui o caminho poderia ser bem diferente...
ANJOS E A CIDADE DE PRATA
A ideia da Cidade de Prata é muito boa para narradores e jogadores que gostam de imaginar uma base celestial, uma espécie de quartel general dos exércitos de um deus onipresente, onisciente e onipotente. Além de trazer pano de fundo para intriga política entre os anjos, e conspirações secretas, bem ao estilo de Anjos Rebeldes (trilogia angelical - o primeiro, sem dúvida alguma é o melhor - com o Christopher Walken, o cavaleiros sem cabeça, o cientista que inventou o controle remoto de Click! Enfim...). No Mundo das Trevas, é fácil considerar simplesmente que a Cidade de Prata é mais um reino umbral, afinal, diversos seres são capazes de tê-los, em maior ou menor dimensão. Os anjos no Mundo das Trevas são vistos como espíritos, podendo assumir uma diversidade de aparências, algo interessante para a adaptação. Mas por que eles não assumem a Terra, e lutam contra os vampiros e magos por ela? Bom... Aqui vem uma reflexão relevante sobre o papel deles e de seu patrão neste cenário. Se no Mundo de Trevas, o Demiurge, ou Demiurgo, é um dos jogadores de xadrez das grandes conspirações da realidade, no Mundo das Trevas, não se sabe quase nada sobre "Deus". Os metamorfos o chamam de "Gaia" ("Mãe Esmeralda" para os Hengeyokai, "Vaca Mãe" para os Mokolé etc.), e o enxergam como uma entidade feminina, mas que não tem tanto poder sem a ajuda de outras entidades e espíritos que a ajudam a manter o equilíbrio da realidade. Para magos e vampiros, a ideia de "deus" é algo muito individual e quase irrelevante. As maiores dias das ações de Deus para este cenário estão em Demônio: A Queda (e vários de seus suplementos) e Hunter: The Reckoning. Juntando informações esparsas e reflexões ingratas, percebe-se que Deus e seus anjos, aqueles que não caíram, não estão se lixando muito para a realidade do mundo, OU não podem intervir, seja porque é uma espécie de dogma ou porque REALMENTE NÃO PODEM, como se a realidade engessada no ceticismo impedisse que isso ocorresse.
Então... como seria possível que eles estivessem agindo no mundo? Simples, dependendo do tipo de ambientação que você estiver usando no Mundo das Trevas (mais animista ou mais materialista), eles podem ser simplesmente espíritos que possuem seu próprio reino, e são basicamente entidades que surgiram a partir da fé dos seres humanos. Com a capacidade de possuir humanos e agir por eles. Ou, se levarmos em conta Demônio: A Queda, eles são CAÍDOS também! Como?! Não uma ala extremamente radical dos Reconciliadores (os anjos caídos que querem o perdão de Deus), todavia, algo como uma sociedade secreta dentro dos caídos. A Cidade de Prata seria uma "praia", daquelas comentadas em Wraith: The Oblivion, visto que no suplemento Storyteller's Companion to Demon: The Fallen se fala sobre a capacidade dos elohim de irem até o reino dos mortos e interagir lá. Mas o que Deus e os anjos legalistas pensariam ou agiriam a respeito disso? Já pode ser uma ideia para aventura...
No fim das contas, o que realmente importa é o que a mesa decidir. O material oficial não é um princípio que não pode ser mudado, ele serve apenas de referência. Seria legal, se narrador e jogadores chegassem a um consenso simples antes de tudo, ou o narrador simplesmente escolha de acordo com o que pretende apresentar à mesa.