Diferente dos outros dragões que sobem ao céu e trazem as chuvas, as bênçãos, as guerras... O dragão azul porta verbos e palavras que dão sentidos e conceitos aos sentimentos. Ele era visto como fraco, ainda que essencial. Um deles voava alto e sentia o frio da noite em suas asas. Ele desceu com velocidade e se aproximou de um prédio – fora buscar um conhecido – como já havia feito várias noites anteriores.
Depois de dormir quase toda tarde, Tamada estava sem sono e com calor. Se tivesse uma mulher, ela estaria lhe recomendando um banho, se tivesse filhos eles estariam lhe irritando. Ele se levantou da cama e a agonia o acompanhou até a cadeira que ficava de frente para o espelho. Apesar do diploma de medicina e das menções de honra ao seu serviço prestado à sociedade que preenchiam a penteadeira, no momento o espelho roubou-lhe toda a atenção. Ele observou cuidadosamente as marcas de rugas próximas aos olhos e a barba que começara crescer novamente. Não tinha quarenta, mas certamente as pessoas imaginariam que ele tivesse quase o dobro! O cabelo tinha um tom cinza e já era pouco – lhe irritava – foi o primeiro tombar diante do confronto contra o tempo. Pensou nos devaneios que tivera durante o sono: sonhou com a hemodiálise do dia anterior, o que havia lhe aborrecido bastante.
Do lado de fora do prédio, o enorme dragão azul se apoiava no parapeito do grande e solitário apartamento. Tamada o ouviu chegar e baixou cabeça, a resignação tomava-lhe o semblante. Pensou brevemente nos falecidos pais. Ele esfregou as mãos no rosto e quando se levantou para encontrar com a visita que lhe aguardava – como que repetindo uma rotina que se fragilizava, o telefone tocou.
- Doutor Tamada?
- Boa noite...
- Doutor Tamada, precisamos do senhor no hospital. Há um caso que apenas o senhor...
- Eu imagino. Já estou saindo.
Nunca fora simpático de fato, mas de certo já fora menos áspero. Não tinha pretensões de ter as posses que tinha, agora não sabia o que fazer com elas. Qualquer um pode ter doenças genéticas, qualquer um pode adquirir uma enfermidade incurável – inclusive um médico. Um médico não é um santo, é um profissional e... Elucubrações desnecessárias – pensou. Desceu até a garagem, mas depois se arrependera, o hospital era próximo, não estava tão tarde. Decidiu caminhar, olhou para cima, para o décimo oitavo andar e não viu o dragão. Talvez houvesse esperado demais – ao menos não precisou repetir uma desculpa.
A criatura voara para longe, mas não desistira. Lembrava, enquanto desenhava formas no ar, do pequeno Tamada que um dia quis conquistar o céu ao seu lado. Estavam sempre juntos – agora eram quase desconhecidos.
No hospital tudo ocorrera como imaginava – o paciente era alguém que poderia pagar por uma solução rápida para um problema que qualquer um que sofresse de problemas estomacais poderia passar e se recuperar rapidamente. Ele cumpriu com o protocolo forçou um sorriso ao se despedir do paciente. O jaleco pesava, queria se livrar logo; esperou mais uma hora se passar e como ninguém surgira, saiu sem se despedir – como de costume.
Entrou no apartamento e livrou-se rapidamente de toda roupa. O banho foi rápido e quase desnecessário. Ouviu um gemido do lado de fora – ele voltara. Ele saiu rapidamente do banho e colocou um pijama, estava chateado e provavelmente seria duro com o dragão. Tamada olhou severamente para a criatura e sem dizer uma única palavra se virou e fechou a porta de vidro que dava para a sacada.
Resignado, o dragão partiu e nunca mais voltou. Aliviado, Tamada voltou a dormir e não acordou.
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