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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Os poliedros que giram pela madrugada


Cães latiam alto em casas distantes, alguns gatos adormeciam ou se escondiam, roncos e sons abafados de tevês pareciam próximos. A lua estava com o véu cinza das nuvens. Não havia estrelas. Nem fazia calor. A música variável, conduzindo as cenas de maneira calma e harmônica. Havia pouco café, já passava de uma hora da manhã, um whisky estava pela metade, uma vodca ainda no começo e duas garrafas de refrigerante jaziam vazias. O som do ventilador e a respiração daqueles que estavam à mesa eram o ruídos que acompanhavam o pensamento daquele jogador. Ele decidiu. O poliedro foi lançado, e depois de uma hesitação, o resultado foi anunciado... A personagem estava morta, porém, a missão fora cumprida. Ela havia sido traída, ela sabia que isso iria acontecer, mas era a única forma de evitar que a rainha morresse, e com ela todo levante élfico que se formaria... Mas faltavam horas para que as obrigações cotidianas, armadas de ferro frio, pusessem novamente aquelas mentes outrora jovens em sua funções ordinárias.
Então, pensaram com cautela. Onde se desdobrariam as próximas peças improvisadas, de pobre figurino, de decisões aleatórias e contextos turvos que se jogavam todas as semanas...
Um deles, o que saboreava com desatenção os restos de uma pizza, não aquele que lia um livro de Borges, nem o que procurava por prazer carnal no celular, nem a que folheava sem ler as páginas de um quadrinho, a mente cavalgava as sôfregas corridas amorosas e indistintas, pois o primeiro deles sugeriu...
"E se fôssemos pessoas que haviam passado há pouco tempo por uma situação traumática, realmente pesada, como a perda de um ente querido, ou uma situação violenta como um assalto com reféns ou um sequestro demorado, ou uma experiência de quase morte por uso de drogas ou tentativa de suicídio? Todos estaríamos, voluntariamente ou não, numa clínica psiquiátrica. Nos conheceríamos, e estaríamos passando pelo mesmo tratamento experimental de um doutor qualquer. Só ele saberia que na verdade tínhamos começado a tomar ciência de que a realidade que nos fora apresentada era uma mentira. Que na verdade só havíamos sobrevivido porque um dia teríamos sido deuses! E agora entendíamos que na verdade tudo era uma prisão! Ele trabalharia para uma das forças que gostariam de nos manter presos, e teríamos que pensar rapidamente numa forma de fugir dali e descobrir a verdade... E aos poucos iríamos descobrindo nossas capacidade divinas, algo que poderia afetar a segurança do mundo todo... chamaria essa crônica de As portas da loucura e as correntes da lucidez."
Uma deles parou de ler os quadrinhos. Pensativa com o que havia ouvido fez a sua sugestão, depois de elogiar a do colega que agora procurava por mais refrigerante...
"Se todos interpretássemos anjos? Mas não exatamente servos daquilo que se considera Deus. Contudo, fôssemos uma espécie de grupo de extermínio, que de tempos em tempos éramos contratados para assassinar alguma célula terrorista, ou facções criminosas que passassem do limite, ou assassinos em série da pior espécie - muitos deles ligados a demônios e seus líderes. Um dia teríamos seguido exatamente o que nosso líder angelical queria, todavia, um dia havíamos cansado e agora estávamos fazendo a justiça da forma mais brutal possível. Nosso líder seria um humano, ex-mercenário, que agora queria se redimir eliminando aqueles que ele considerava fora dos padrões, aceitando serviços pagos por governos e empresas que ele considerasse válidas. Entretanto, numa dessas situações, acabássemos cruzando com uma facção tão perigosa quanto a nossa e, diferente de nós, serva fiel de outro anjo, que diria estar procurando o mais perigoso dos demônios... Nomearia essa aventura de Penas e punições."
"Bom." Disse o que já havia fechado o livro do escritor argentino. E continuou depois de elogiar a ideia dos dois colegas.
"Creio que falte magia. Ou mais magia nisso tudo. Poderíamos ser um grupo diverso de bruxos e bruxas, não exatamente aliados ou pertencentes ao mesmo grupo cultural. Estaríamos sendo procurados por mais um grupo, não necessariamente antagônico aos nossos, mas que suspeitasse que estivéssemos envolvidos com o misterioso desaparecimento de uma jovem, possivelmente virgem. Tipicamente o sacrifício perfeito para alguns rituais. Teríamos que escolher em ajudar a desvendar o mistério, encontrando a garota ou o que poderia ter sobrado dela, ou poderíamos simplesmente fugir, seja porque estivéssemos com medo, ou porque estivéssemos realmente envolvidos... A trama poderia ainda ficar mais densa se alguns outros conhecidos também desaparecessem, poderíamos ser um dos próximos a sumir? E se o grupo que suspeitasse de nós estivesse escondendo algumas informações, como a possibilidade da moça ter possuído habilidades místicas, e sua descendência fosse de uma história peculiarmente perturbadora... Chamaria essa jornada de Sombras que escondem sombras."
"Isso!". Enfim disse algo, aquele que segurava o celular. E se levantou. Os outros observaram apreensivos pela sugestão que viria, afinal ele estava sorridente e visivelmente empolgado. "Eu já vou. Depois me digam o que decidiram. Não dormirei só. Eu acho." E saiu.

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