FRENETICAMENTE. Os ponteiros batiam e ecoavam nos ouvidos do bêbado que despertava, Jean Golias Ventura Sá. Há algumas semanas passadas, ele fora passageiro dos momentos inconstantes de Anelson Moraes Souza. E agora, solitário em um quarto de hotel barato, em algum interior tão inóspito, ainda que perto da capital, que o som de um alto-falante que se afastava era a única coisa que atrapalhava a marcha dos ponteiros... O entorpecimento escorria aceleradamente, a dor de cabeça se precipitava com vigor e vontade, a boca estava seca, a posição de bruços sobre a cama pequena combinava com o suor abundante e a escuridão do quarto. Acabara de dar uma hora da tarde.
MANSAMENTE. Anelson pisava no acelerador, o coração ia seguindo devagar o mesmo ritmo, a ansiedade crescia de maneira lenta, quase como o crescer de uma maré natural em dias de verão amazônico. As imagens numa estrada nem tão remota por essas bandas são como rajadas verdes dos dois lados, propriedades de alguém, mas sem ninguém. Verde, estrada, verde, vultos, verde, veredas... Enfim, o carro imóvel. O motor quase dando suspiros depois de uma longa corrida, acalma-se; silencia. Estava perto.
PARADOXALMENTE. A chuva logo iria subir, os respingos começavam a voltar aos céus. A embriaguez voltava devagar para os fluídos cerebrais de Golias, e agora ele rememorava tudo aquilo que estava quase perdido, e estivera pouco antes do cambalear do tempo. A bala estava pronta. Anelson resistira a tentação várias vezes, um Cristo no deserto? As nuvens se contorciam, os relógios e sinos ecoavam o choro - lamentações de uma mãe que observava uma rebeldia infundada. Goles pesados de cerveja, uma única mesa, uma única certeza. Mas duas cadeiras, dois copos e muitas frustrações em silêncio miravam a poeira da estrada. Partiram.
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