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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Chamas dos pneus gloriosos

Há vezes, poucas, que aquele grito abafado na garganta, com cor de revolta e cheiro de indignação, se deixa levar para dentro como um pigarro incessante! E a cusparada é como o gosto ruim de vodca de ontem com a nicotina que se abraça com as placas presas no dente da comida de ontem... Era questão de tempo. Parecia que todos os pneus da cidade estavam pegando fogo. O cheiro como um convite à torpe resistência de um canceroso ao próximo gole...
Da coxa escorria muito sangue, os azulejos brancos do corredor da vila agora estavam vermelhos ou rosados, Loucke amaldiçoava todos que podia - a dor da fuga era pior que a da perna - enquanto Arlepina suava e tentava fazer um curativo imediato, ajeitava o óculos, tirava as gatas de cima de tudo: armários, estantes, caixas etc. Muitos estavam mortos, mas Loucke sobrevivera e agora retornara para lamber feridas e pensar numa forma de invadir o CEFET pela manhã - acuado, lá dentro "aquele que devia morrer", Frango ficara nos escombros próximos, comia os restos deixados em um carrinho de lanche abandonado; pela manhã estaria tudo pronto, se pela manhã vivo estiver... Diante das ruínas, das chamas que se apagavam, da noite fria, da chuva forte, das sirenes distantes, dos choros abafados, Toyde perambulava, quase que como uma dança diante do caos - e também falava! Quem poderia entender? Vivo? Sim, vivíssimo! Mentalmente afundando... Há três horas os corpos de Neugon e de Índio na grama da praça, sem qualquer vida, sobre eles: soluços e vômitos, Malafa lamentava e bebia, mais ninguém na Praça da República, apenas corpos, um som distante, Bad Brains? Sirenes, muitas sirenes - cheiro de urina e fezes; medo. Na Doca, ônibus caídos, carros quebrados, muito vidro e marcas de sangue, do alto do prédio mais alto, Charleko contemplava as torres de fumaça em diversos cantos da cidade, havia algo de belo em tudo aquilo, Sandrocka já havia pulado, agora era sua vez; o cigarro estava perto do fim... Na escadaria do último apartamento, deixado por algum abastado que fugiu para longe de tudo aquilo, Alanzito fazia preces a bandas antigas e seres desconhecidos, ouvia os passos aumentando, seu coração mais acelerados que os perseguidores, as sombras crescendo; acendeu outro cigarro... Loucke gritou, Arlepina apertou o ferimento e os olhos, Toyde sorriu diante do tanque que se aproximava, Malafa apagou escorado aos amigos, Charleko pulou - e criou asas.

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